“O veículo eléctrico híbrido é uma solução de transição”

ROBERT STUSSI
Presidente da Associação Portuguesa do Veículo Eléctrico
"O veículo eléctrico híbrido é uma solução de transição"

Durante muitos anos, o veículo eléctrico foi considerado uma utopia. Hoje está na moda. Robert Stussi, presidente da Associação Portuguesa do Veículo Eléctrico, é realista e admite que vivemos uma fase de transição – que a crise irá prolongar – até à introdução generalizada dos automóveis eléctricos puros, “a solução mais eficaz de sempre”. A solução serão os “híbridos”, cujo êxito – “estarão já a circular 2 milhões em todo o mundo” – está directamente associado à superação de duas anteriores limitações: a autonomia e o preço. Entretanto, será fundamental “uma aposta atempada na investigação e desenvolvimento, na aplicação e introdução pioneira do veículo eléctrico, especialmente se equacionada em paralelo com uma opção inequívoca pelas energias renováveis”.

A recessão económica trouxe para o debate a questão da capacidade/vontade de prosseguir ou não um ambicioso programa de investimento tecnológico – mormente no sector automóvel - que viabilize uma ruptura sustentável no sector dos transportes através da disseminação dos veículos híbridos/eléctricos. Como analisa o actual contexto para o desenvolvimento dos veículos eléctricos? 
Recentemente, o veículo eléctrico passou a estar na moda, depois de muitos anos de um discurso negativista relativamente ao carro movido a electricidade e aos seus defensores, tidos como idealistas ou até irrealistas.
Mas, a “realidade” acabou por se impor: primeiro, com a evidência das alterações climáticas e as suas consequências no médio e longo prazo; depois, com o aumento descontrolado dos preços dos combustíveis fósseis; e, durante o ano passado, com o instalar da profunda crise financeira que hoje vivemos, que nos obriga a aceitar que “a partir de agora nada poderá ser como dantes”.
Entretanto, a tecnologia foi fazendo o seu caminho. O aparecimento de soluções credíveis de produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis, que se admitem vir a ter um custo competitivo já no curto e médio prazo, e de novas soluções de baterias, mais bem adaptadas a esta aplicação, permitem acreditar que “é agora que o veículo eléctrico irá ser uma das soluções”.
Quanto às medidas de apoio à indústria automóvel, contribuíram para as vendas, já que se centraram na atribuição de subsídio com vista a incentivar a substituição de carros velhos. Mas este tipo de subsídio não varia em função do tipo de carro novo que é comprado, nomeadamente por critérios “verdes”. É aí que o novo pacote de Obama inova.

Depois de uma "fúria verde" num quadro de boom do preço do crude, o colapso financeiro ditou uma travagem no crescimento e na liquidez do mundo desenvolvido, afinal onde se concentram as fontes de financiamento. Os próximos anos serão de optimização das medidas de eficiência (upgrades de motores; biocombustíveis) ou haverá capacidade de dar novos saltos no sector automóvel? 
Toda a gente falou do famoso vídeo “who killed the electric car” da Chelsea Sexton (normalmente sem o ver, porque o vídeo concluía exactamente o contrário daquilo que diz o título! http://www.whokilledtheelectriccar.com/). 
Mas havia razões para que o discurso fosse negativista: enquanto nos anos 90 alguns (grandes) fabricantes de automóveis puseram no mercado, especialmente na Europa e na América, meia dúzia de milhares de veículos eléctricos “puros” (ou seja, com bateria e mais nada) na rua, estes mesmos fabricantes, discretamente, retiraram este tipo de veículos do seu portfolio.
Entretanto, e felizmente, os veículos híbridos arrancaram, desde o início domilénio, para uma “marcha de sucesso”. Estas viaturas, com duas fontes de energia e dois motores – eléctrico e de combustão interna –, ultrapassaram uma das duas limitações do veículo eléctrico exclusivamente a bateria: a autonomia.
A outra limitação – o preço (dois motores custam mais de que um) - acabou por perder algum peso, mas também alguns subsídios. Assim, em termos mundiais estarão a circular cerca de 2 milhões de veículos híbridos, metade dos quais vendidos nos últimos 2 anos e maioritariamente no Japão – os pioneiros e líderes deste mercado – e na Califórnia, onde as leis ambientais favorecem este segmento.

Qual é o maior mérito dos híbridos? E limitação?
A grande vantagem da tecnologia híbrida foi conseguir reconquistar a confiança do utilizador. A sua desvantagem é que estes híbridos que andam nas nossas estradas são “mild hybrids”, com pouca autonomia em “modo de poluição zero”. Felizmente, perspectivam-se agora os “plug in hybrids”, veículos eléctricos híbridos com possibilidade de serem recarregados a partir das instalações eléctricas das nossas casas e com baterias maiores. Esse salto depende ainda de muitos factores, pelo que a sua introdução no mercado ainda vai demorar, mas será certamente mais rápida do que a dos “eléctricos puros”: Assim, o veículo eléctrico híbrido é uma solução de transição para a introdução do carro eléctrico nas nossas estradas – solução mais eficaz. Essa transição será sempre longa (5, 10, 20 anos?).

E quanto às fuel cells e o hidrogénio?
O sonho do hidrogénio e da pilha de combustível e dos veículos eléctricos a pilha de combustível será para os nossos netos! Depois de 20 anos de mega-orçamentos, financiados pelos fabricantes e pelas principais potências (UE, EUA e Japão), os projectos dos veículos eléctricos exclusivamente a bateria foram sendo retardados.

Como analisa a política energética de Obama, nomeadamente no que se refere à revolução na produção automóvel? E na Europa, a forte crise alemã poderá adiar investimentos para "uma oferta alternativa"? 
A crise vai atrasar sempre o passo da introdução nas novas tecnologias, mas a aposta parece estar feita, mas não no calendário que os governantes de vários países quereriam!!

Como analisa a política energética portuguesa e que balanço faz das experiências nacionais com soluções inovadoras nos transportes? 
Portugal, como a maior parte dos países, faz esforços, por via governamental, mas também via universidades e sector privado, para fomentar a introdução de novas tecnologias (e mobilidades). O mais difícil é ter uma ideia clara do que se está fazer, porque as iniciativas são muito diversas e pouca informação chega à opinião pública. Na área da investigação e experimentação, devemos estar atentos às várias iniciativas da Comissão Europeia, e formar parcerias.

O veículo eléctrico é para amanhã...
É a promessa actual de muitos governos, fabricantes e peritos. É verdade que o “speed” que “prendeu” toda esta gente ajuda enormemente “a causa”, e, esperemos que consiga mover as rochas; no entanto, depois da “1ª morte” do veículo eléctrico devemos ser ponderados com as promessas que fazemos. Uma coisa é a introdução de alguns milhares carros de eléctricos em mercados privilegiados – tal como parece ser o caso anunciado em Portugal e em mais uma dúzia de países e regiões (“acordos Renault-Nissan”). Daí para uma penetração maciça no parque automóvel seja, pelo menos, de uma década (até que todas as marcas ofereçam gamas de automóveis que permitam a escolha ao consumidor, que usualmente compra em média um carro em cada 8 a 10 anos), faltando ainda conhecer as potenciais resistências do consumidor e todas as outras barreiras que será necessário ultrapassar.
Por esta razão, também se deve alertar todos aqueles que querem fábricas em todos os lados que, com os volumes previsíveis de curto prazo, poucos países conseguirão lucrar com este negócio num futuro próximo; isto não quer dizer que não possa existir um mercado importante e mais diversificado na fabricação de componentes, e que seja fundamental e “ganhadora” uma aposta atempada na investigação e desenvolvimento, além de na aplicação e introdução pioneira do veículo eléctrico, especialmente se equacionada em paralelo com uma opção inequívoca pelas energias renováveis!

Biografia
Robert Stüssi é Presidente da Associação Portuguesa do Veículo Eléctrico (APVE) e da Associação Europeia de Veículos Eléctricos com Baterias, Híbridos e com Pilhas de Combustível (AVERE), com uma larga experiência em política de transportes e planeamento da mobilidade sustentável. Possui experiências profissionais no Canadá, Europa, África e América Latina, as suas actuais prioridades centram-se no aconselhamento urbano em novas soluções de mobilidade, estando envolvido num programa de demonstração com 2 mini-autocarros eléctricos em 25 cidades

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